quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

domingo, 28 de novembro de 2010

Marlene ( um conto )

Negro, teu olho estava, nem quis acreditar, como foi possível tal crueldade...não consegui conter lágrimas e partilhei a dor, num silêncio absoluto...
Uma noite fria, nós, sentados no banco de trás, o ambiente estava pesado e fechado, o tempo demorado, de tão longe que estavas, mas isso não era importante, importante sim, era o facto de estares segura nos meus braços, longe do medo, do terror, da solidão que te atormentava, um animal ferido...
Exposta, a tua face golpeada, uma mancha na tua face pálida, sinais de que foste frágil e sem forças para retaliar, teu lábio rebentado, sussuraste-me uma palavra...

...obrigado...

Chegados ao destino, o táxi desapareceu, comido pelo nevoeiro...
Gentilmente peguei em ti e carreguei o teu corpo, pesado, frustrado, lembrei-me daquela menina com quem eu brincava na escola, com quem fazia castelos de areia, com quem namoriscava, por quem um dia me apaixonei, era agora uma sombra, gelada, gritando através de suores, agonia, repulsa pelo monstro...esse medo sem linhas, das quais ela não conseguia desenhar, descrever a sua forma seria impossível, desfigurada e destorcida era a sua imagem...
Cuidei da sua pele, acariciei sua face, que sem receio me aceitou, chorou, gritou...

...porquê, porquê...eu não mereço, eu não mereço...eu...eu...

No meu colo, Marlene adormeceu, deixando-se levar...por fim, livre.


Deitei-a na cama e tomei um banho frio. Estava a explodir por dentro, rescaldado - tinha de fechar os olhos e abrandar o meu ritmo cardíaco.
O apartamento dela era simples, com pouca coisa, só o essencial. Não tinha retratos ou quadros colocados na parede desbotada. Havia um quarto sem vida e uma cozinha pouco funcional, notando-se que já não era limpa há algum tempo. Somente a cama estava cuidada; era de madeira, alta, com espaço para uma só pessoa, uma colcha cor-de-rosa e um coração estampado no meio...talvez um sonho de criança.
Por volta da 1h da manhã, algo se agitou dentro da mala de Marlene. Fui ver, era o telemóvel, um sms recebido. Decidi ler a mensagem:

Onde estás tu minha desgraçada? Pensas que podes deixar o serviço assim do nada? Não me faças perder mais dinheiro e volta rápidamente.
Quero-te às 2h45 na Rua Salomão Batista junto à paragem, às 3h tens serviço com um cliente novo e é melhor que não te atrases...

Marlene era prostituta! Nunca me passaria tal coisa pela cabeça - uma imagem totalmente oposta à que tinha na minha recordação. Foi como o ruído de um vidro que se racha, um estouro na minha mente.
Peguei no telemóvel dela e na chave do carro, que se encontrava pendurada na entrada, e saí do ninho.
Na chave estava o símbolo da marca Fiat, de um Fiat UNO, um carro sem valor comercial mas que servia
para se deslocar. Dei à chave pela quarta vez e lá pegou. Precisava de tomar um copo. Desloquei-me até ao bar onde nos costumávamos encontrar para meter a conversa em dia. A nossa última vez tinha sido à dois anos, no meu aniversário, quando recebi um beijo verdadeiro, um beijo que mudou tudo, a nossa amizade, o nosso rumo...
Entrei no Gordini´s Bar. Reparei que algumas coisas tinham mudado, uma pequena pista de dança no meio, um palco mais à frente. Junto do wc, umas escadas que levavam à parte de cima onde continham mesas, o balcão do lado direito com uns bancos redondos. No tecto, colunas de som e algumas máquinas giratórias com luzes de variadas cores. Era um bar de Strip.

- Boa noite, que deseja?
- Um whisky duplo sem gelo e um maço de tabaco, do mais barato por favor.


Acorda...

Abri os olhos, senti uma dor de cabeça terrível, devo ter abusado do wisky, ou então alguém me deu uma pancada na cabeça, não me lembro, já não bebia nem fumava há bastante tempo. Acordei sentado na retrete do WC com a cara encostada à parede, o meu hálito, esse, deixava-me mal disposto. Levantei-me e abri a porta, as luzes do lavatório piscavam, caminhei para lá, precisava de lavar a cara, a luz desapareceu por uns instantes.
Abri a torneira e comecei a lavar as mãos e a face, sabia tão bem, de repente a luz voltou e o lavatório continha manchas de sangue, a poça de água estava avermelhada, afastei-me e peguei na toalha para me limpar, mas também esta estava com manchas vermelhas, mas o que se passa aqui???
Assustado, saí do WC e fui a correr até ao interior do bar, não estava preparado para o que os meus olhos me transmitiam, um cenário macabro. Corpos deitados no chão, outros em cima das mesas, balcão, só restos do que foram...
Sentei-me, estava apavorado com o que via, era real, estava mesmo à minha frente, já não conseguia estar sentado e dirigi-me até ao balcão, precisava de um copo, de um cigarro, tinha que me acalmar. O que terá acontecido enquanto estive no Wc??? Quem terá assassinado todas estas pessoas??? Porquê???
Bebi de uma só vez um gole de wisky, tirei o maço de tabaco do bolso, puxei de um cigarro, mas não encontrei o isqueiro, olhei para o chão e lá estava ele, junto da mão de uma mulher, tinha os seios à mostra, devia ser uma stripper...
Corri até ao carro, estava aberto, nele continha algo embrulhado numa toalha, desenrolei, era uma arma. Mas o que fazia no carro de Marlene?


- Estou? Francisco?
- Quem fala?
- Sou eu, o Karl.
- Que aconteceu??? Que horas são???
- Escuta Francisco, estou aqui à tua porta, preciso de um grande favor teu, por favor.
- Está bem, está bem, dá-me dois minutos...

- Entra.
- Que se passa, Karl?
- Eu não tenho tempo para explicar, acho que estou a ser incriminado, preciso da tua ajuda com o laboratório e...
- Espera, tu voltaste ao activo, Karl?
- Não...mas escuta, é muito importante, por favor.
- Karl, há dois anos que não nos dizes nada, deixaste-nos, e agora apareces do nada a pedir-me um favor? Nem apareceste ao funeral do pai...que se passa contigo, Karl?
- O pai, faleceu?
- Sim, o ano passado, está sepultado ao lado da mãe, se é que te lembras onde é...
- Lembro-me, sim...
- Escuta, Karl... o pai antes de falecer, disse-me para te dizer que te amava muito, ele acreditou em ti, nós acreditamos em ti.
- Podias ao menos ter-me deixado um contacto, sei que foi difícil para ti teres deixado a Judiciária daquela maneira, mas a vida continua, não te podes culpar pelo que aconteceu, não foi justo.
- Francisco, por favor, agora não, falamos sobre isso mais tarde, eu preciso que me ajudes.
- Está bem, Karl, fala.
- Eu ontem ajudei uma amiga, ela levou uma tareia de alguém e pediu-me ajuda, levei-a até ao apartamento dela, depois fui até um bar beber um copo, precisava de acalmar.
Só me lembro de ter acordado sentado na WC com uma terrível dor de cabeça, ao sair, o bar tinha corpos espalhados pelo chão e...
- Corpos, como assim?
- Pessoas baleadas por uma arma, que suponho que seja esta.
- Uma Semi-Automática? Onde arranjaste isto?
- Estava dentro do carro da minha amiga, o que conduzi até ao bar. Encontrei embrulhada nesta toalha, no banco do carro, antes de vir para cá. Preciso que a leves para o laboratório e tentes descobrir alguma coisa, por favor.
- Eu vou ver o que posso fazer...
Karl, precisas de descansar, podes dormir aqui um pouco se quiseres.
- Não, tenho que ir ver se a minha amiga está melhor, depois ligo-te logo à noite, adeus.

Fui até ao apartamento de Marlene.
Ao abrir a porta, fui empurrado para o chão e pontapeado violentamente, acabando por perder os sentidos...

Acorda...

Abro os olhos, a última imagem que tenho, é aquela em que estive no apartamento de Marlene e fui violentamente agredido. Deitado nesta cama, vejo tudo claro, uma janela com raios de sol a fustigar a minha vista, um quadro numa parede com uma figura religiosa, ao lado, uma mesa de cabeceira com um candeeiro raso, junto dele, umas revistas e encostado, um envelope castanho. Estou dorido demais para me esticar e agarrá-lo.

Tenho um botão por baixo do dedo, decido fazer pressão…aproxima-se uma enfermeira

- Sr. Karl, consegue ouvir-me?
- Sim…consigo…
- Vou chamar o Dr. Antunes e volto já Sr. Karl.
- Eu…tenho…sede…preciso…água…
- Eu não demoro Sr. Karl, e trago-lhe a água, fique descansado.

- Bom dia Sr. Karl, como se sente?
- Agora que bebi a água, muito melhor.
- O Sr. Karl, esteve em coma durante três anos, sete meses, duas semanas e oito dias, tudo graças à melhor tecnologia disponível no nosso hospital, e principalmente à sua Marlene.
- À minha Marlene? Onde está ela?
- A Sra. Marlene, durante todo o tempo em que você esteve em coma, nunca faltou um dia de visitas, vem todos os dias à mesma hora, às 14h para ser mais exacto. Vai ficar radiante, ela nunca perdeu a esperança, sempre acreditou que poderia ser possível, nunca desistiu Sr. Karl.
- O seu irmão, enquanto vivo…peço desculpa, mas o seu irmão faleceu dois anos depois do seu internamento, suicidou-se…
- O quê? Suicidou-se? Por favor, não estou a perceber, como é possível? Porquê?
- Ele deixou aquele envelope para si, tínhamos ordens para nunca abri-lo mesmo que o Sr. não acordasse do coma, por outras palavras, seria enterrado consigo, intacto. Cumprimos a promessa, aqui está.


- Por favor, deixe-me um pouco sozinho, preciso de espaço.
- Como queira, voltarei mais tarde para falarmos melhor. Até logo.


Estou sem palavras, um vazio frio percorre-me pelo peito, como uma faca afiada…
Abro o envelope e nele contém uma folha com a letra de meu irmão, começo a ler…

Mas nesse mesmo instante, a porta do quarto abre-se, era Marlene. Estava magra e branquinha, com uma expressão de alegria mas ao mesmo tempo, vazia, fria.
Veio-me um sentimento que não consegui descrever, inclino-me para a frente, vejo-a a fechar a porta à chave e dirigir-se a mim, com lágrimas nos olhos, ambos nos abraçamos e beijamos...Marlene levanta o meu lençol, puxa a minha bata para cima, acaricia o meu pénis com a mão direita, com a mão esquerda no meu pescoço, puxa-me para a frente e beija-me sem tréguas...agora erecto, Marlene começa a fazer-me sexo oral...

- Marlene...pára...pára...

Que se lixe, o desejo é mais forte que eu...Marlene abocanha-me o pénis cheia de desejo, agarro-lhe os  cabelos com força...agora começa por despir o vestido branco, como se de uma boneca tratasse...aperto-lhe os seios como em forma de moldar algo bonito. De seguida penetro-lhe com o dedo...tão quente, tão húmido...Marlene pega nele e mete-o na boca, que visão...ela agacha-se e encaixa a sua vagina, gasta do trabalho, mas ainda com uma réstia de pujança, ao que nunca iria negar. O sexo era silencioso e ao mesmo tempo apaixonante, mas com as horas contadas...venho-me dentro dela, como um cavalo de corridas acabado de cortar a meta, e suspiro de alívio...

Toc..Toc..Toc

- ABRA A PORTA IMEDIATAMENTE.

Merda...era a enfermeira...Marlene veste-se depressa e abre a porta enquanto me recomponho...

- Peço desculpa, só queria um momento a sós com o meu Karl.
- Isto não é um Motel, ouviu.
- Não precisa de ser arrogante, sra.
- A hora da visita acabou, no meu turno não falha absolutamente nada, agora saia por favor.

- Karl, querido, volto amanhã, talvez tenhas alta e voltes comigo para casa, agora descansa, amo-te...

Também te amo...

- Sr. Karl, veja se dorme que amanhã começaremos o exercício, tem que se mexer, ouviu?
-Até amanhã.

sim...sim, agora descanso é o que mais preciso...sua besta...

-Patrícia, está na minha hora de deixar o turno, precisa de alguma coisa?
- Não, dona Sandra, obrigado.
- Não se esqueça de dar um olhinho no quarto do Sr. Karl, até amanhã e porte-se bem.

Já são duas da manhã, hora da ronda.
Quartos de 1-7, tudo ok, quarto número 8, Sr. Karl, deixa cá ver se está tudo ok...tudo certinho...deixaram aqui uma carta no chão...como não tenho nada que fazer, vou aproveitar e leva-la para o gabinete a ver o que contém, mais logo volta para o seu lugar, com ele a dormir nem dá por nada.
Hum, deixa-me cá ver primeiro a ficha do Sr. Karl, ora...cá está, bolas, está um pouco desarumado, só espero é que não me metam a mexer nisto só por ser estagiária...ora bem, 3 anos em coma,...esquisofrênico...nada demais, vou arrumar...mas o que é isto, uma segunda ficha?
Karl Martins...ex agente da Policia Judiciária...internado quatro anos numa clínica de reabilitação...problemas relativos a dupla identidade…já estou assustada. Vou ler a carta depressa antes que ele acorde.

Karl, o objecto que me entregaste para analisar, na noite em que foram mortas as pessoas do clube, a “ Semi-Automática “, tem as tuas impressões digitais, são tuas...fiz os testes vezes sem conta, nem quis acreditar...podes confirmar com os teus própios olhos, os testes estão junto desta carta. Foste tu que as mataste...
Não devias ter-me escondido o teu problema, sempre gostei de ti, podia ajudar-te...agora não posso...adeus...e perdoa-me.
Oh meus deus, Karl é um assassíno…mas aqui não estão testes nenhuns na carta, alguém os tirou. Tenho que voltar para o quarto dele.
Estou cheia de medo, isto é demais para mim…ufff ufff, calma, ele está a dormir, vai ser rápido, coragem, coragem…

Patrícia caminha para o quarto nº 8, nervosa mas silênciosa, todo o seu corpo treme, na sua cabeça passam mil e umas coisas, todas sombrias, à medida que se aproxima do quarto, a sua pulsação aumenta.

Ok, Patrícia, controla-te, abre a porta devagarinho…certifica-te que “ Ele “ está a dormir…ok, caminha até à mesa de cabeceira e pousa a carta…

No momento em que Patrícia pousa a carta, Karl agarra a sua mão, com toda a sua força, puxa-a para o seu leito de repouso tentando sufocá-la até esta perder os sentidos, mas tem azar, ela é esquiva e consegue agarrar o candeeiro e parti-lo na cabeça de Karl, este fica inconsciente.
Patrícia, dirige-se para o gabinete numa corrida frenética e aos gritos a pedir por ajuda, o segurança consegue ouvi-la e aproxima-se.

- Ele quer me matar, ele quer me matar…
- Acalme-se, o que se passa, o que se passa?
- O paciente do querto 8, ele quer me matar…
- Fique aqui e chame a polícia, depressa…

Chegada ao gabinete, Patrícia pega no telefone frenéticamente e faz a chamada e explica o sucedido à agente do outro lado da linha.
O segurança chega ao quarto nº8 e…não vê lá ninguém, apressa-se a correr para ir ter com Patrícia, pois esta corre perigo.
Silêncioso, Karl aparece por trás da estagiária pronto para atacar, começa a apertar-lhe o pescoço com tanta força quanto pode, esta ainda tenta gritar mas começa a perder as forças e, lentamente, os sentidos. Mas por milagre, o segurança consegue chegar a tempo de dar-lhe uma pancada na cabeça, Karl desmaia.
Rápidamente o segurança acolhe Patrícia nos seus braços e tenta reanimá-la, por fim ela volta a si.
Karl,  foi preso por tentativa de homicídio, tem acompanhamento médico e psicológico uma vez por semana, tal como as visitas, e neste dia, teve uma.

- Marlene?
- Sim, meu amor.
- Eu estou inocente, tens que acreditar...
- Shhhhhhh, não fales, só vim aqui para te mostrar uma coisa muito valiosa para ti.
- O quê?
- Umas análises, de um objecto que te pode incriminar, meu amor...mas fica descansado, o meu amor por ti, é infinito.




FIM

Reencontro

Décimo terceiro andar, não tinha mais por onde subir, estava apertado de espaço e ofegante, o café também não ajudou. Parti a puta da porta e o ar húmido e frio da noite entranharam-se nos pulmões, merda para o tabaco, só problemas. 
Ouvia o barulho de dezenas de botas a chegar cá acima, também não me ralava muito, a minha hora avizinhava-se curta e já sem nada para oferecer, nada...

- Já temos a ambulância e os bombeiros a caminho, a partir daqui assumimos o controlo, suspeito que o sujeito vai cometer suicídio voluntário, temos que evitar que caía, nem que tenhamos de recorrer a disparos para o imobilizarmos, entendido?
- Sim

MÃOS AO ALTO.

A voz da autoridade já não fazia sentido, sabia bem o que tinha acontecido, e o que me esperava. Para trás ficou uma mulher e filho, assassinados por um assaltante de meia tigela, tudo por causa da mala nova, que com tanto esforço e carinho, ofereci à minha mais que tudo. Teve mais olhos que barriga e ceifou a vida deles, deixando-me só, sem nada mais para amar. Sociedade nojenta esta, que deixa estas ratazanas cada vez mais grávidas e sedentas, pelas entranhas das ruas e jardins, apanhando tudo o que aparece a troco de trocos ou quase nada, parasitas...

MÃOS AO ALTO.

Nem tive tempo de me despedir, de dar um beijo de boa noite ao meu menino, quatro anos...quatro anos...tinha tantos planos para ele,  seria só tu e eu, só tu e eu...e a minha morena, os teus olhos castanhos, gravados na minha memória...tão felizes que fomos, foram os quinzes anos mais felizes da minha vida, agora reduzidos a estes breves momentos, momentos de solidão, angústia e medo, daquele que cá ficou, destroçado...

AFASTE-SE DA BEIRA, VOLTE PARA TRÁS.

Onde quer que estejam, irei estar convosco, irei abraçá-los com toda a força que tiver, quero acreditar que sim...

VOLTE PARA TRÁS OU DISPARAMOS.

Tarde demais, já nada me prende aqui, só levo comigo a foto de nós os três, alegres...contigo a soprar as quatro velas...com a morena a fazer-me cocegas...o meu pai que tirou a foto, ria-se de perdido, ainda me lembro das várias tentativas para tirar esta foto...meu querido pai...

Já vou a caminho...preciso...

Bang       Bang       Bang

..de vocês...


Por vezes, algumas almas deixam o seu estado, para voltarem novamente ao mundo dos vivos, talvez por injustiça, como se processa, ainda ninguém sabe.


- Força, força.
- Haaaaa...haaaaaaa...
- Está quase, mais um pouco de força.
- Huummm, haaaaaa...

- Já está, que bébé tão bonito.

Sopra

A razão que arrasta contigo
No fundo que teima não ter fim
Entre a pele visivelmente esticada
Por entre o frio que se chama intacto

No lado sombrio que reforça a barreira, forte será a sua queda. 

Nhakinka

Olhei para ti, tão melosa que estavas, desviei o olhar, silencioso.

Fechei os olhos e imaginei um circo, mas àquela hora da manhã não convinha fazer barulho, por isso tornei a abri-los.
Olhei para o tecto do quarto e vi uma imagem,  era o Charlie Chaplin a preto e branco, fiquei logo bem-disposto.
Deixo-me adormecer...estou numa sala escura, vejo um palco, nele aparece um mágico com uma tela vazia e claro, a sua varinha mágica. Começa a pintura gestual de costas para mim mas emitindo uns sons estranhos, quase profundos. Passados uns minutos " plim " mostra-me a tela com uma foto, foto, essa em que estou velho, mas com um sorriso estampado na cara, um velho feliz portanto. Agradeço, bato palmas e acordo.

Olho para ela e oiço um " rom rom " como um acorde musical ordenado, e começa a lavar-se...que gata tão bonita.

Renascer

Pisaste um caracol...ele mexia, deixava rasto, vivia, agora, não passa de uma mancha. Andas distraído, devias olhar à tua volta, entender o que te rodeia.
Não é assim tão mau, e não custa nada. Sabes que há coisas magníficas, mesmo debaixo dos teus olhos, só tens que acreditar que consegues.
Olha, vou-te contar um segredo, quando tinha mais ou menos a tua idade, fiz algumas coisas de que me arrependo, e esta, foi uma delas.

Um dia, decidi aventurar-me numa caminhada, gostava de explorar, queria conhecer tudo, e não olhava a meios para o fazer. Havia um monte muito alto, lá perto da minha antiga morada, uma pequena aldeia
. Acordei muito cedo, levei a minha lancheira e fiz-me a caminho. Comecei a subir o monte, e a cada passo que dava, descobria algo novo, um gafanhoto, uma planta, uma pedra, e até aves de várias cores. Era um mundo harmonioso. 
Quando estava quase a atingir o pico do monte, vi algo suave a pairar no ar, até que pousou do outro lado de uma rocha. Era uma borboleta, junto de outra, formavam um par maravilhoso.
Fiquei ali algum tempo a observá-las, fiquei tão fascinado, que queria uma só para mim. Mais tarde, vim a saber que a espécie daquela borboleta, era rara, existiam muito poucas.
Mas como eu não sabia nada disso, larguei a lancheira e fui, com muita calma e com o menos de barulho possível, apanhar uma delas, e consegui. Curiosamente, a outra não fugiu, deixou-se ficar, tal não foi o meu espanto.
Todo contente, desci o monte e até me esqueci da lancheira, claro que mais tarde, apanhei uma sova das boas, mas não vou falar disso. Assim que cheguei a casa, fui à cozinha buscar um copo e depois fui para o meu quarto.
Chegado ao meu quarto, sentei-me na cama, com a borboleta numa mão e o copo noutra,
 juntei as duas em cima da mesa-de-cabeceira, e plim, consegui enfiar a linda borboleta dentro do copo, era o maior que consegui encontrar.
Passei muitas horas a olhar para ela, até que foi perdendo as forças, foi ficando imóvel, e passado um tempo, morreu...fiz-lhe festas nas asas, e nada...depois percebi que a culpa foi toda minha, que já não podia voltar a vê-la, a bater asas e voar, com todo o seu esplendor.
Uns dias depois, voltei ao monte, recuperei a lancheira, tentei encontrar a outra borboleta, mas nunca mais a vi, fiquei muito triste. Naquela manhã, fiz uma promessa a
 mim mesmo, que até hoje cumpro.

Por isso te digo, tenta entender o que te rodeia, aprende a partilhar, acredita que consegues.

Trombada de Securas

O clima estava seco, arfava dentro do túnel, não via ponta de corno, fui avisado muitas vezes, mas estava-me nas tintas. Queria algo novo, não me importava com os meios a usar.

Tive uma vida modesta, simpática, sem muitos fervores, aturei este e aquela, e depois? Todos o faziam, era mais um além de tantos outros, mas não sei porquê, embirravam comigo. 

Chamavam-me de “ O Anti-social “, não dava confiança a ninguém, não falava com ninguém, mas ainda assim, produzia mais que dois ou três juntos, cambada…já desconfiavam, tinha que me mudar, e para melhor.

A colisão foi directa, apanharam-me num dia de chuva e deram-me um enxerto de porrada. Filhos da puta, acabaram comigo, a indiferencia acabou por atingi-los, nada os fazia mudar de ideias, queriam sangue. A frieza na cara deles, era óbvia.

Agora, numa cama de hospital, nos cuidados intensivos, esperava por dias melhores, mas não em vida, mas sim em morte. O último som doce, era meu… 

Exausto

Vejo os teus olhos como são, e mal sei nadar. Perdido por janelas e portas de tempo, só para os puder admirar.
Que promessas são essas, que não as podes cumprir. Embutido de falsas visões, já o vento as leva, como nuvens surtidas de cores radiantes, estranho como só o seu sentido me pode indicar.
Amarrado a uma esteira, à força do vento, pálido e amargo. Posso dizer, estou exausto.
Que a maré me leve, enterrado nesta caravela de solidão, húmida e seca por dentro, odiada por fora.

À vista

Já passaram muitas coisas, algumas sem cheiro, tipo antibióticas, curavam tudo, depois, aquelas sem cor, invisíveis, vai dar tudo ao mesmo, opacas.

Depois há aquelas, aquelas que dá vontade de agarrar e senti-las, quentes e firmes, em que uma diz stop, tu continuas, a outra diz mayday, e tu socorres.

As irresistíveis, colocas o teu melhor perfume, o teu melhor fato, decoras uns versos, e atiras-te de cabeça, o resultado não podia ser melhor, um belo par de estalos.

Aquelas que te fazem chegar a casa, e tu espetas com um copo de algo forte pela goela abaixo, sabe bem mas faz mal, não repetes e deitas-te sobre o assunto.

Acordas lixado contigo próprio, porque és um falhado, na sociedade podre em que resides, uma bela diarreia bacteriana, uma azia portanto.

Íman

Invadiste o meu campo magnético, com o teu cheiro atractivo. Senti os tais impulsos, nas minhas fossas nasais, aquela faceta que se entranha e desperta o meu bujix sentimental e erecto, o teu objecto.

As tuas propriedades, são causadas pelo meu spin de electrões, que se encontram dentro da tua matéria, aquela atmosfera inquietante que devora os teu poros e causa uma liberdade de explosão.

O meu pólo norte e pólo sul, juntos penetram pelo teu campo magnético, com um só sentido, aquela vibração que te faz gritar, ainda quando estás em apuros, acabas por deslizar entre eles sem problemas.

Se dividires o meu Íman ao meio, terás dois Ímanes menores, ficarei triste e desamparado, esperando por uma recarga, aquela culpa que aguarda por cargas em movimento, como que um fio enrolado, como que um verdadeiro eletróiman.

Cores, porque não?

Ás vezes, o amor é tão verde, até quando desliza pelo azul, ensonado ou não, interrompe sempre quando menos se espera. 

Por mais vermelho que seja, as suas propriedades, chocam constantemente, colidindo entre ambas, num qualquer momento, não importa quando.

O dia começa amarelo, penetrando a janela, a barraca, ou até mesmo um cobertor, de alguém esquecido ou deixado para trás, perdido no tempo cinzento de uma vida.

Verde de esperança, quando se ouve o primeiro som, de alguém que está a nascer, alguém especial, ou alguém que infelizmente, não é bem recebido.

Quando tudo começa a ficar negro, é sinal de que estamos a partir, levando connosco, uma parte da vida, vida essa, vivida por alguém.

Esta, é a hora branca, cor da lua, hora lamechas.

Sentimento não tem cor, mas quem o tem, um arco-íris, um espelho de emoções.

Uma artrite de sensações maiúsculas, um peso de liberdade corrompida.

Para quê misturar cores, quando elas reflectem entre si? É tudo uma questão de tempo